terça-feira, 15 de novembro de 2016

Na Bodega de Militana

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Na bodega de Militana
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Na bodega de Dona Militana, a marujada se preparava para mais um embarque na nau Catarineta, bebendo vinho e acompanhando a apresentação de romanceiros, e da música com a dança do Coco de Zambê. E aqui uma liberdade artística e poética para mesclar expressões artísticas e culturais. A mesclagem de conhecimentos, informações mais outros tantos elementos, distribuídos no tempo e no espaço geográfico. Tema para excursionistas culturais, a partir do sistema “S”, (Severino, Sesc, Sebrae…) com as curvas na estradas.

E assim foi a viagem cultural dos alunos do segundo curso de folclore do estado do RN, completando uma carga horária, mesclada de informações e conhecimentos. Um aculturamento ao vivo, diante das apresentações dos grupos que antes combinados, aguardavam os excursionistas.

Com o rumo em direção ao sul partiram de Natal para visitar cidades vizinhas, onde é possível encontrar manifestações folclóricas por grupos culturais, pessoas que preservam histórias, ouvidas e contadas, ao longo do tempo. Embarcaram em um ônibus rodoviário, cobertos por apólices de seguros, e da TV Assembleia, que seguia com sua equipe a bordo. O registro de imagens e os depoimentos, para um futuro e outras tantas pessoas, pela telinha.

A oportunidade única, daquele momento, de ver ao tudo ao vivo, em um mesmo plano e com os pés no chão, sem palco e sem cobrança de ingresso. Sem muitos recursos tecnológicos. No estilo garganta, memória e capela. Foi a oportunidade de observar as expressões artísticas; sem a pesquisa e sem a formatação, com o norteamento acadêmico. Com e sem as teorias de um ou de outro, mestre, doutor ou pesquisador. E lembrando uma expressão comum ao fim das discussões entre Sartre e Simone,  “vocês estão enclausurados”. A cultura não se perde, não se faz, ela simplesmente acontece, e somos apenas seus elementos, sujeitos às suas nuances e vontades. O índio, no meio da floresta conserva sua cultura, ocultando-se da urbanização, que não passa de um controle de ordenação da população de uma sociedade, focada no desenvolvimento, sem observar o seu rastro.

A oportunidade de ver ao vivo, in loco. Sem um filme na tela com a visão e a descrição de quem narra, influenciado pela própria formação de conhecimentos e de cultura - do narrador - influenciado pelo que percebe e seus objetivos, o que percebe com seus próprios sentidos… Toda narrativa é influenciada pelo narrador, que insere seus pontos de vistas.

Os corpos dos pertencentes aos grupos, estavam presentes como uma mídia de conhecimento, com informações coletados durante anos, com o passar dos séculos. Seus gestos e suas vestes eram informação. A cultura tem suas estratégias, para passar por momentos impostos pela sociedade tecnológica e urbana. Por vezes ela se mascara e por vezes ela se oculta, podendo usar elementos de um momento atual. Para então surgir em outro momento, com suas raízes e seus comportamentos primitivos. Ela lida com o que encontra, é a sua persistência, a sua resiliência.

E a turma seguiu pelas estradas, Transpassou Parnamirim, Nísia Floresta e São José de Mipibu. Parada na estrada, para um embarque daqueles que vinham de Lagoa de Pedras, Monte Alegre e Salto da Onça. A companheira de viagem em cadeiras aos pares, era de Vera Cruz. Próxima parada, o primeiro destino. Senador Georgino Avelino, o menor município do estado. Formou-se um leque da maior cidade, a capital, ao menor município estadual. E a primeira apresentação, artística, folclórica, histórica e cultural, foi um estilo romanceiro, vindo de outras terras, desde a colonização, mas presente na memória, daqueles personagens em uma pequena cidade. Uma apresentação com músicas e falas que culminou com o romance de Juliana e Dom Jorge. E nos faz lembrar um tempo e um lugar que não havia rádio, nem televisão e nem mesmo teatro. Apenas representações para pequenos grupos que trocam de posições e de personagens, ora artista e ora espectador. E até coordenador das danças e dos eventos.

                                                      Comissão Norte Rio Grandense de Folclore
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Seguiram para Arês, com o antigo refúgio dos holandeses na Ilha do Flamengo. Foram recebidos pelo padre em uma igreja dos idos 1600. O padre contou histórias de portugueses e holandeses, do estado e da cidade, da religião e da política; história e geografia. Arês, a cidade que expõem uma arte, de um momento histórico, nos muros do cemitério.

Finalizado o contorno da laguna, com passagem em Goianinha, foi a vez de Tibau do Sul com a dança do coco. E não teve jeito, a jornalista chefe da TV Assembleia, largou o microfone que a atrapalhava seus movimentos, e os fios que poderiam se enroscar em suas pernas, aguardou ser convidada por meio de um componente “mengando” e caiu na dança ao som dos batuques com o zambê e o chama (tambores de pau furado), junto com a lata, como instrumento alternativo e de marcação. Era Cristiane, da terra da garoa, quem entrou na roda, e fotos comprovam o fato. O chama é menor que o zambê, tem o som mais agudo, e chama os componentes para dançar. Instrumentos primitivos e artesanais feito com formões e martelos. O dono do terreiro era Mestre Geraldo.
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A comitiva motorizada com ar condicionado, e de olhos abertos, partiu para outra cidade, com os movimentos internos  involuntários e roncos estomacais, para a próxima escala em Canguaretama. E foram baixar em outro terreiro, diria Cascudo. Saberes e sabores estão associados, fazem parte da cultura de um povo. Chegou-se então a um local amplo e arborizado, com piscinas de águas naturais, sem aditivos ou conservantes. O restaurante fazia parte do cenário, onde era possível começar um conhecimento com os olhos, o cheiro da mata e seus sons característicos. O primeiro conhecimento do homem com seus sentidos e suas atividades organolépticas.

Refeição rápida: bombordo, boreste e porão, foi o estilo da mastigação. O navio não espera, tem hora para partir, precisam cumprir suas escalas. Com o porão cheio, a escala derradeira, na praça da cidade, onde a nau Catarineta já estava atracada próximo a calçada, da praça junto à igreja e o mercado. Marinheiros a postos junto ao costado do navio. Oficiais já estavam no portaló para conferir a carga e a tripulação. Tinha capitão de gravata e capitão de corneta, mestre e contramestre, e o comandante era mar e guerra.

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E como é de praxe, primeiro as homenagens e condecorações pelos habitantes da cidade visitada, aos forasteiros que ali desembarcavam. E foram homenageados as lideranças da caravana, Rita, Severino e a Cascudinha, dá-lhe Ana! As apresentações artísticas e culturais aconteceram no cais improvisado para a nau Catarineta, que navega por mares e por ruas. O hobby e a diversão preservam uma cultura, onde grumetes já estão sendo encaminhados, pela prancha que dá acesso ao navio.

Apresentações desembarcadas e prático a bordo. Atenção senhores passageiros, queiram ocupar os seus lugares no ônibus. Todos a bordo e retorno ao local de origem. Mas o conhecimento gera outras dúvidas, outras teorias sobre outros fatos e outros elementos.

Durante a viagem muitas histórias foram contadas pelo guia, histórias que dizem ser lendas, não serem teorias comprovadas pela ciência e pela academia. Mas são histórias e lendas que se repetem, tal como as pesquisas da academia. A academia procura repetições para estabelecer regras que confirmem a fé na ciência, baseada em acontecimentos repetitivos.  E as histórias contadas se repetem em diversas cidades.

Histórias ou lendas de baleias foram contadas, baleias enterradas, que podem se revirar em seus túmulos. E até os dias de hoje muitas baleias ainda encalham no litoral potiguar. Algumas praias próximas a Natal, possuem rochas que lembram o esqueleto de enormes baleias encalhadas e  fossilizadas, mas a geologia contesta a hipótese. Mas quem sabe um dia, uma nova ciência ou pesquisa, se descubra que um dia em Eras remotas, enormes baleias ali encalharam, e com o vento empurrando as areias sobre seus cadáveres, se formam as dunas. E então justificaria-se as lendas, que se transformam  em história.

E alguém dirá agora, isto não passa de invencionice do autor, não tem fundamentação científica e o texto é apenas uma crônica, não segue as regras de um artigo científico. Mas também, os mesmos admitem que Cascudo era especialista em folclore e estudava lobisomens. Além de admitir que tudo que foi visto na viagem foi preservado e transmitido em memórias e movimentos do corpo. Os grupos exibiram coisas que não estavam escritas, apenas repetiram os textos e os versos, que viram e ouviram em outras épocas, e de outras pessoas.

Existem histórias que não foram registradas, ou grafadas, bem antes do descobrimento, antes de ser inventada a ciência. E pelo olhar da fenomenologia, proposto pelo matemático tcheco, Edmund Husserl (1859-1938),  a consciência não é um espaço vazio, e ela tem uma intencionalidade. Husserl propõe uma inovação na teoria do conhecimento.

Os indivíduos perpetuam a suas sociedades e a repetem quando necessário. E outros ainda diriam, que são coisas de Deus.

http://www.publikador.com/turismo/roberto-cardoso-(maracaja)/na-bodega-de-militana

Roberto Cardoso (Maracajá)
RN, 15/11/2016

VINHO*
Dom Jorge
Produzido com uvas do tipo Juliana
(*) Poucos entenderão a relação entre os nomes citados: Dom Jorge e Juliana. Então cabe aos interessados fazer uma pesquisa.

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